sábado, 22 de outubro de 2011

Ritual: Cravos que dançam e interagem e geram experiências sensíveis

Relato do Quinto Encontro do Cravo do Canavial - UFRN




Calunga de Cera.
 

A Matriz - Dama do Paço


Etapa da Observação


Mimese Corpórea - Matriz Dama Paço

O quinto encontro de trabalho do projeto Cravo do Canavial foi dividido a partir de três motes de criação: Ritual de saudação à Jurema, Esquentamento, Baixio das Bestas.
Iniciamos a primeira parte do trabalho deitados no chão, com o corpo alinhado e as palmas das mãos viradas para o chão. Trabalhamos com a imagem do barro vermelho. O barro seco, mas que quer ganhar vida, se tornar frutífero, ser expressividade. A metáfora do barro pode ser entendida como nosso corpo, nossos sentimentos mais íntimo, nossas memórias, nossa pulsão de vida.
Cada vez que Carla batia palma, congelava no movimento e tentávamos compreender e armazenar corporalmente as imagens. Ao total foram cinco imagens codificadas, que foram se transformando em uma dança pessoal, dança das nossas memórias advinhas da imagem barro vermelho ressecado. 
Estimulados pela condução, fomos inserindo em nossa dança melodias, sussurros, gemidos e sorrisos.  Esse trabalho resultou na criação de uma sequência pessoal que se desencadeou na Saudação à Jurema. Esse momento pode ser considerado com um ritual que nos lançou para uma dimensão mais profunda com nosso trabalho, nos deparando conosco mesmos na busca do momento sagrado individualcoletivo na arte, estabelecendo contato com energias mais íntimas e primitivas.
Após o término de experimentação da dança pessoal-primitiva, Carla colocou no centro da sala uma fotografia da Calunga e pediu que nos reuníssemos em torno da foto. Ficamos olhando os mínimos detalhes e as impressões que ela repercutia em nosso corpo, em nossa memória muscular-ancestral.
Pegamos nossas anotações sobre a jurema e líamos, incorporando a imagem vista ao conceito pesquisado. Ao final dessa experiência, Carla pediu para que cada um criasse uma saudação em primeira pessoa para a sua Jurema (religião que cultua mestres e caboclos). Após a criação da saudação, cada uma dos participantes ia para o meio da sala, fazia seu ritual e no final dizia a sua saudação.
Depois do ritual de saudação à Jurema, demos início ao trabalho da Mímese Corpórea, que se fundamenta na minuciosa observação, codificação e teatralização de ações físicas e vocais de pessoas, animais e imagens estanques (fotografias e quadros). Foi o primeiro encontro em que adentramos no universo da mimese corpórea. Carla colocou uma sequência de cinco imagens da Dama do Paço, figura do Maracatu Rural na sala e ficamos olhando as imagens, e deixando que elas nos seduzisse e tocassem  nosso íntimo. Nesse momento você não escolhe a foto, mas ela te escolhe para viver seu universo. Quando todos haviam selecionado uma foto, ficamos por um bom tempo observando e em contato com a imagem, percebendo os pequenos detalhes, como por exemplo, estavam direcionadas as mãos, os olhos, o sorriso etc. Reproduzimos fisicamente a imagem, procurando ser o mais fiel possível à foto, recriando a corporeidade observada no nosso corpo, ainda que de forma mecânica.
Experimentamos aos poucos andar com a figura, mas algumas vezes era preciso retornar à imagem original para checar os detalhes. Na experimentação, descobrimos formas de ligar e desligar a figura em nosso corpo através dos punctums, que pode ser entendido como pequenos detalhes da ação que quando ativados remetem matriz, ou seja, pontos de ativação corpóreos que permitem retomar a imagem como um todo. Experimentamos também fazer nosso ritual pessoal de saudação à Jurema e depois adentrar na mimese da Dama do Paço.
Na segunda parte da aula, retomamos as sequências codificadas nas aulas anteriores. Percebi que já temos propriedade de trabalhar com esses materiais, por isso, o trabalho fica cada vez mais fluido, mais dinâmico, mais prazeroso. Essas sequências individuais, ao se relacionarem, como foi proposto nesse encontro, ganharam outro significado, outros sentidos, e pequeno detalhes, olhares, contatos com o outro faziam com que elas fossem possibilitando esquemas dramatúrgicos não intencionalizados, mas que emergiam a partir do jogo, da relação estabelecida com o outro. O que poderíamos intitular de processo de afetação: quando o intérprete sai da sua órbita e se permite navegar na órbita do outro e dançar seu ritmo sem se anular. Nesse jogo, emerge uma terceira ação que nem eu nem ele sabemos ainda, mas que futuramente, a partir do ensaio, revelará uma pedra preciosa. Assim, ficou combinado que cada dupla iria experimentar novas formas de organizar dramaturgicamente a sua sequência.
          A terceira parte do trabalho foi destinada tanto ao esquentamento como à cena do Baixio das Bestas. Aprendemos uma sequência de movimento do Maracatu Rural que será nosso esquentamento durante todo o processo criativo. A figura do mestre no nosso esquentamento é de fundamental importância, pois ele coordenará toda a brincadeira. Em nosso processo, essa figura será representada em cada encontro, por um dos atores que coordenará o esquentamento e cantará uma loa.
Partimos do esquentamento e das sequências individuais “O carro não pode andar na frente dos boi”, para se desdobrar na cena coletiva de Baixio das Bestas. Essa cena a cada dia vem ganhando novas dimensões, se ressignificando a cada vez que a vivenciamos, possibilitando territórios poéticos para o ator criador. No encontro de hoje, uma das atrizes produziu um texto “poético-viceral” que deu outro sentido à cena do Baixio. Esse texto ora era narrado pela atriz, ora tinha fragmentos pronunciados por outra atriz, que com outro ator executava uma ação, gerando novas poéticas da cena.
Portanto, o processo criativo do Cravo Canavial tem se mostrado revelador, uma vez que, a cada novo encontro, o trabalho é redimensionado a partir da experiência pessoal de cada intérprete, delineando uma singular poética de criação. São corpos que interagem e geram experiências no âmbito sensível.


Rodrigo Severo








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